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domingo, 13 de novembro de 2016

Quando ela e a casa conversam

Ela tinha um jeito nada ortodoxo de limpar a casa, não conseguia seguir o padrão normal, se é que fazer faxina tem algo de normal. Não tinha hora nem dia marcado, previamente agendado, retirado dos dias normais, marcado como o dia do sacrifício.
Ela simplesmente acordava e enquanto sem pressa, degustava seu café, acordando a mente ou a desintoxicando, olhava em volta.  Começava a revirar os papeis na sua mesa-escritorio-santuário , arquivando, rasgando, separando, encontrava uma anotação, revivia um momento, um sentimento, alguns ate guardados a tanto tempo que nem mais fazia parte do seu dia a dia, mas existia. Acha uma foto aqui outra ali, e quando vai guarda-las em seu devido lugar acaba encontrando outras, e mais lembranças, e sentimentos.
E quando para, senta no sofá, liga a tv ou não, ve alguma coisa, escuta uma musica, viaja no tempo de novo, olha a estante, os livros, remexe e vai limpando, mudando de lugar as coisas, os sentimentos.
Vai nesse ritmo, sem ritmo, pressa, pressão, começando e parando quando quer sem agredir a alma, sem punir o corpo, limpando a casa, acaba por fim limpando a alma.
Objetos que contam historias, tem memórias, que ficam as vezes ali quietos, dentro de gavetas ou caixas, escondidos da vida que segue, revivem.
Revista a sentença retornam ao passado ou não, se já cumpriram sua missão o plástico negro , enorme, o guarda e aguarda a retirada do tempo presente.
Ela nao escolhe onde vai começar, ou recomeçar, é tudo meio sem lógica, sem a praticidade que leva no dia a dia. Por nada deixa a sala, remexe na cozinha, vai no quarto, fica lá. E essa blusa? Usei ela naquele dia......parece que foi ontem, mas não foi. Vai pro banheiro, limpando o box relembra a ultima vez que chorou no banho e por que, porque mesmo?
Tudo é ritualizado, um fio vai puxando outro, aos pedaços em cada pedaço, mesmo os despedaçados acham seu lugar, ou os perde.
Quando é muito o que sente, para tudo, outro café, ou cerveja, ou vinho, pega o telefone liga pra alguém, ou alguém liga, pausa para a vida que segue.
Isso leva o tempo que o tempo der, é dia de limpeza geral, material, emocional, espiritual, não é só a casa que limpa, é tudo que gira em torno, dentro dela.
As vezes acaba e descansa e se sente renovada, outras vezes para e deixa pro dia seguinte, por que não?
Afinal ela não é o que a casa mostrar,  é o que a casa esconde.

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