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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

VELHOS TEMPOS – FUMAÇAS EFÊMERAS E VOLÚVEIS - Manoel Ferreira Neto.



É meu costume, após o café da manhã, sair pela cidade com a câmara digital em mãos, tirar fotos, acrescentar mais no acervo, prática que adquiri faz ano e meio, já possuo dez mil. Não conheço outra di-versão mais agradável, quanto mais se me meto em bairros excêntricos; uma palmeira, a sombra dela na amurada, nos portões de madeira, nas grades, uma tabuleta, um carroceiro levando o leite ás casas, qualquer coisa é motivo para tirar fotos, entreter o espírito. Volto para casa “lesto e agudo”, como se dizia em não sei que comedida antiga, já que não me ad-mira haver-lhe esquecido o título. Esqueceu-me primeiro o autor, depois veio o esquecimento da obra. Isto é irrelevante.
Naturalmente, cansadas as pernas, só imagens, luzes, sombras, verde, ângulos, perspectivas, meto-me no primeiro ônibus que passar, às vezes tendo de ficar esperando no ponto, não mais que vinte minutos, nunca suporto ficar parado em qualquer lugar; volto para casa a pé, passando por outros lugares, continuando a tirar fotos.
Esperando o ônibus, pus-me a ruminar sobre um problema que  me estava afligindo  além das contas, dos limites, mais que pudesse imaginar, nada me afligiu tanto na vida. Não sou tão jovem como apregoam alguns de meus amigos; vou completar cinqüenta e três anos. Assisti de camarote a vários homens, terminado o expediente de trabalho, dirigirem-se a muitos bares, restaurantes, botequins, bistrôs, para tomarem doses de catuaba, nunca se tomou tanta catuaba, ganhou-se muito dinheiro. Algumas mulheres remoçaram-se, pele lisa, sumiram-se as rugas,  outras se engravidaram, outras engordaram-se, tinha de restituir as energias gastas. O que em princípio chamou a atenção de muitos foi o índice de impotência, o que afinal estava causando isto? Fosse a carência das mulheres, todas haveriam se remoçado, engravidado, engordado, só algumas.
O que estava acontecendo para os homens estarem tomando tanta catuaba? Para alguns, modismo, para outros, um modo de se sentirem sociáveis, terem amigos com quem conversar, para outros o objeto responsável da pingudice foi substituído por outro, a catuaba substituiu a cachaça.  O problema logo se mostrou. As mulheres que se remoçaram, engordaram, engravidaram tinham sérios problemas matrimoniais, mulheres de homens adúlteros. Muitos foram revelados, ninguém imaginava que estava traindo. O índice de adultério já era enorme naqueles tempos idos, com a catuaba aumentou bem. Se quem começou isto de catuaba, pensou que a troca da pinga pela catuaba, iria resolver o seu problema com a mulher, a pinga estimulava a libido, a catuaba estimulava mais ainda.
Ouvira dizer que os adúlteros nunca chegam às vias de fato, ficam só nas preliminares, deixando as mulheres mais excitadas e insatisfeitas por no ato mesmo iria chegar ao clímax, que delícia, que prazer mais que divino! A resposta a isto fora logo encaçapada com engenho: o sentimento de culpa, por isto só realizavam as preliminares, vale ressaltar, muito bem. O inconsciente divino exerce influência. O esclarecimento do nível de adultério estava aumentando, devia ser creditado na conta de a catuaba inibir a culpa, sentiam-se livres.
Não me lembra como e quando a catuaba sofreu diminuição, os homens deixaram de freqüentar os bares, após o expediente de trabalho. Só mesmo os impotentes usam catuaba em nossa atualidade, assim mesmo com moderação, os que são abstênicos do álcool, comem ovos de codorna. O adultério não diminuiu, habita a natureza dos homens de nossa comunidade, dizem que pau que nasce torto, morre torto, houve épocas que aumentaram, houve outras que diminuíram, verdade é que em nossa região nossa cidade é a mais adúltera, nem a Igreja consegue resolver este delito à luz do Direito, pecado à luz do cristianismo. A diferença existente: naquela época da catuaba, o nível de adultério era praticado pelos homens, hoje as mulheres estão traindo além dos limites, dizem até que superaram os homens.
Bem... Sou homem irritado, impaciente, nervoso, o que justifica o maço de cigarros todos os dias, o cigarro inibe o nervosismo. Devido a este nervosismo, ser cardíaco, o médico achou conveniente receitar-me o remédio Cloridrato de Fluoxetina. Nada me disse acerca da inibição sexual. Tomo dezesseis compridos por dia, não seria louco de tomar calmante acima das drágeas prescritas pelo médico, um antes de dormir ou pela manhã. O uso é contínuo.
Depois de um mês, comecei a sentir os efeitos. Não conseguia chegar ao clímax, cansava-me. A mulher chegara à conclusão de ser preocupação, muito trabalho. Procurasse não me preocupar, levasse a vida na corda bamba, ficasse tranqüilo, vivíamos felizes em nossa “casinha”. Jamais me preocuparia com traição de minha esposa, conheço a idoneidade dela. Também me não preocuparia com divórcio, por carência sexual, o meu problema não era ereção; alias, tendo sido referido em uma de nossas conversas, o problema era o clímax. Naqueles idos tempos da catuaba, o problema dos homens era com a ereção, o nível dela estava mais do que baixo. Tomando banho, resolvi masturbar-me, a mão doeu e não gozei. Conversei com alguns amigos muito íntimos; alguns me disseram o responsável direto era o remédio de pressão, Atenolol, outros disseram ser a idade, estava caminhando para a terceira, a andropausa. Até que um deles, psicólogo, dissera ser o Cloridrato de Fluoxetina, começasse a diminuir as drágeas, uma de três em três dias. Nem cheguei a consultar médicos ou farmacêuticos, fiz o sugerido pelo amigo. Depois de três semanas consegui o tão desejado e con-templado clímax. A coisa mais gostosa do mundo é sexo com a mulher amada.
O problema estava resolvido, não mais tomei o Cloridrato de Fluoxetina. Andava sim nervoso, irritado, impaciente. A mulher conseguiu um calmante homeopata “35”, da Almeida Prado. Nervosismo e sexualidade resolvidos. Nossas relações não sofreram quaisquer prejuízos. A mulher não pensara minuto sequer não estar chegando ao clímax fosse devido a adultério, sabe o que penso a este respeito.
O ato sexual, sem amor, afinidade, é coisa mais que nojenta, o prazer é apenas carnal. Não faria isto de modo algum, para mim o amor e os sentimentos estão acima de tudo. Daí é que me não foi possível ainda compreender o porquê do adultério. Os prazeres da carne são efêmeros, e só trazem insatisfações, ressentimentos, dores, mágoas... Os prazeres da carne e do espírito são eternos, saudáveis e divinos.
O ônibus não passava. Aqueles pensamentos acerca dos velhos tempos da catuaba, dos velhos tempos de minha incapacidade de chegar ao clímax diminuíram, inibiram a irritação, nervosismo, impaciência. Vinte e cinco minutos de espera, nem senti o tempo passar.
Lembrou-me conhecida, vendedora, estando eu num bar tomando cerveja, aproximou-se, perguntando-me a razão de haver sumido, não mais enviava por ela meus cadernos a um amigo comum, lá do Barranco do Rio Velhas, o envio é feito através de malote. Autografei um e lhe entreguei. Comentou sobre suas vendas, ofereceu-me um produto para passar na parte íntima, hora e meia de ereção.
- Fosse nos velhos tempos, perguntar-lhe-ia se não havia alguma pomada para chegar ao clímax. A minha vida sexual está mais do que saudável. De nada preciso.
Não esperaria mais pelo ônibus. Retornaria a pé mesmo. Poderia aproveitar o ensejo e mergulhar mais fundo nisto do adultério, nossa comunidade ser o ícone dele.
Talvez fosse o caso de os médicos receitarem o Cloridrato de Fluoxetina para os casais adúlteros, diminuiria bastante o nível, oxalá deixasse de existir, fosse extirpado vez por todas. Os casamentos não terminariam devido a esta prática indecente e imoral, terminariam por falta de sexo, por carência dele, e não por negar fogo como era nos velhos tempos idos. Caso o marido ou a mulher negasse fogo na noite de núpcias, podia pedir anulação do matrimônio.
Caso o médico não fosse consultado, os juízes, ao in-vés, de promoverem o divórcio, mandasse o casal ao médico para ser consultado acerca do uso do Cloridrato de Fluoxetina, com sério e responsável acompanhamento, o adultério deixaria de existir e o casamento não sofreria qualquer prejuízo, refiro-me ao índice de natalidade; sem o sexo conjugal, endossado pela Constituição e pela Igreja não nasceriam mais filhos, em pouco tempo nossa comunidade de jovens seria logo trans-formada em comunidade de senis, em poucas décadas restariam apenas as casas, todos morreriam de tédio, angústia, desesperança, fadiga, cansaço, enfim o sexo prolonga a vida, dá-lhe sentido para as lutas e esforços de realização.
Por que – fora a última pergunta que me fiz, chegando ao portão de minha residência, o último pensamento acerca do adultério, dos velhos tempos idos da catuaba, da minha incapacidade de chegar ao clímax – houve a época da catuaba, quem não tomasse era logo discriminado, sofria na carne e ossos os efeitos do preconceito, eram afastados do convívio social? Talvez, aliás, estou disposto a nisto crer de modo ímpio, a catuaba estivesse proporcionando efeito colateral: alguns homens adúlteros conheceram o prazer espiritual com as esposas, com as amantes intensificaram os da carne, vice-versa. Enfim, há-de se comungar o corpo e o espírito, que um filósofo ensandecido separou, para sentir as delícias da vida, o que é a felicidade plena e absoluta.
Antes de fechar o portão de minha residência, passou de braços dados com suas duas mulheres um de meus vizinhos, soube contornar seu problema existencial: só com os prazeres do espírito, sexo gostoso e saudável, sentia-se deprimido, só com os da carne sentia-se infeliz e angustiado. Encontrou as mulheres certas, a oficial satisfazia-lhe o espírito, a amante, a carne. Era feliz com as duas, as duas eram felizes com ele. Passaram a viver juntos, embora toda a vizinhança e muitas outras pessoas condenam isto de o homem viver com duas mulheres debaixo do mesmo teto, é uma prática desavergonhada. Os padres tomaram medidas: nenhum deles poderia receber a comunhão. Deixou meu vizinho de tomar cachaça, cerveja, vez por outra uma dose de catuaba com conhaque. Parou de beber.
Não seria esta a solução para os adultérios, as insatisfações, mágoas, dores, sofrimentos, causando divórcios, separações, a mulher ter dois homens, o homem, duas mulheres? Tanto a Igreja como o Direito aceitariam realizar esses casamentos.. Novo tempo, novos costumes e hábitos, novo homem. Isso jamais será aceite. Ninguém admite ver o ser amado nos braços de outrem. Haverá sempre a cachaça, a catuaba, o adultério até a consumação dos tempos. Enfim, nossa comunidade será eternizada, com o adultério sem limites e fronteiras, sem peias, algemas e correntes, sem freios e estribos, é que os homens encontraram os caminhos de nunca mais serem esquecidos.
Se isto fosse seguido, diriam todos haver sido eu a semente e húmus deste despautério, para livrar os casais da separação e divórcio, criei através dos pensamentos, idéias, das letras, casamento de três cônjuges. Quem deveria ser extirpado da sociedade seria eu, e não o adultério. Ademais, o bolso dos advogados de defesa e acusação sofreriam prejuízos, uns chegariam a desistir do Direito, nada estavam ganhando, o adultério é que lhes garantiam o pão de cada dia, passando a exercerem outra função qualquer. Outros me processariam por danos materiais e à moral conjugal. Ainda bem que as pessoas lêem, mas não colocam em prática as interpretações e análises. Posso continuar pensando e escrevendo, as letras divertem, fazem rir, quanto mais quando são ambíguas e in-versas.  



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