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quarta-feira, 25 de novembro de 2015

DIADEMA DE PURO DIAMANTE - Manoel Ferreira Neto.


Meu caro amigo,
Marcos Antônio Alvarenga

Saudações Roseanas,

Perdoe-me, caro amigo, se não lhe faço uma visita, diz Chico Buarque de Hollanda, para lhe inteirar dos últimos acontecimentos. Aqui em nossa terra estamos no auge do besteirol, cujos objetivos são de chamar atenção, causar polêmica chinfrim, alcançar o sucesso e fama, ser eterno jumentado. Há muitas obras realmente dignas de re-conhecimento e con-sideração, por sua estética, mensagem, profundidade teológica e filosófica, mas há também as grandes e insofismáveis porcarias. O que seria do bem não fosse o mal?
Estava sentado num dos bancos da nossa egrégia Casa da Cultura, no Largo da Estação Ferroviária Central do Brasil, descansando um pouco das caminhadas por todos os cantos da cidade, divulgando o nosso Razão In-versa, quando alguém se aproximou, perguntando-me se era o escritor Manoel Ferreira, havia sido indicado a mim para apresentar seus três livros já publicados, minha palavra como crítico pesava e muito, se escrevesse comentário, podia acreditar que os leitores reconheceriam. Desejava que eu lesse, escrevesse um comentário, não importava se fosse negativo, publicasse nas minhas páginas.  Pensei comigo: “Isto é que se chama vontade de aparecer”. Disse-lhe: “Não dou esperanças a ninguém. Não escrevo críticas negativas, meu tempo é precioso. Contudo, pode deixar seus livros comigo, quem sabe real-izo seus desejos, se as obras forem boas. Não sendo assim, nada tenho a dizer”. Autografou um deles. Enfatizou que a crítica negativa seria mui bién recebida. Se antes já intuíra, percebera, que julgava os livros obras-primas da literatura, estava eu diante de um escritor que estava empolando os seus leitores, com a sua enfatização de que ficaria mui feliz com crítica negativa, tive certeza disso.
Abri o livro nalgumas páginas, como é de minha práxis com qualquer um – uma ressalva: só as suas crônicas no tablóide Centro de Minas que não li linhas ou parágrafos, antes da leitura de fio a pavio, li sem esta práxis, amei, escrevi-lhe a missiva. Sem linguagem, sem estilo, insosso e ridículo. Pensei comigo: “Os leitores estão sendo solidários com ele. Dão-lhe esperanças. No fundo, sabem que não tem condições alguma. Estão certos, é preciso dar esperança às pessoas”. Não leria. Chegando a Diamantina, mostrei a Marize, dizendo-lhe que lesse, quem sabe pudesse escrever um comentário, mas de responsabilidade sua, Razão In-versa não tinha nada a ser dito, escreveria isto em nota de roda-pé. A princípio, começou a gostar, comentou comigo; passadas algumas páginas, irritou-se: o autor estava descendo a pua em Maria Santíssima, dizendo coisas do arco da velha: “Amor, disse antes: este livro não presta”. Guardaria na sua estante, no consultório. “Para quê? Encher espaço? Onde está o álcool? Vou atear fogo, era o que merecia”. Não deixou. Lembrou-me o compadre Paulo César há vinte e cinco anos, quando cheguei em sua casa, estando ele tocando fogo num livro. Perguntei-lhe que sandice era aquela, tocar fogo em livro. Respondeu-me que o autor havia pedido que o fizessem. Este não me pediu que ateasse fogo, pediu-me crítica negativa, merecia ser queimado.
Com certeza, estava esperando qualquer manifestação minha, escrevesse a tão desejada crítica negativa, ou seja, fale mal, mas fale de mim, conforme o nível da crítica negativa também é modo de despertar nos leitores o interesse pela leitura. Não sou de deixar ninguém com expectativas. Não escreveria, mas diria via celular o que pensava de seu livro. Pediu a crítica negativa escrita, faria verbalmente.
Alguns dias depois, decidi ligar para o autor, dizendo-lhe que lera algumas passagens, mas não gostei mesmo, não merecia nem critica negativa. Sugeri-lhe algumas leituras de obras que podiam ajudar-lhe a desenvolver estilo e linguagem. Citei Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa... Não me deixou continuar, interrompeu-me, dizendo que Rosa era um ridículo, imbecil, idiota, adquiriu fama com frivolidades, sua linguagem e estilo não eram do sertão, enganou trouxa. Se houvesse sido lido apenas por alguns brasileiros, poderia até acreditar, mas é reconhecido no mundo inteiro. Lembrei-me de você, caro amigo: “Se fosse Marcos Antônio que ama Guimarães Rosa de paixão, este sujeito tinha comprado uma guerra daquelas. ´Guerra é guerra´ e tudo é valido”. Disse-lhe: “Para você criticar Rosa, com certeza sente-se superior a ele. Posso afiançar-lhe que nem subindo três milhões de degraus de uma escada, você chegará aos pés de Rosa”.
- Já andei por todos os cantos do sertão, de fio a pavio. Não existe Manuelzão, existem Mané, Maneco, Manezinho...
Quê disparate! Despedi-me. Não iria discutir. Perderia tempo. Sentado na poltrona da cozinha de minha residência, pensei comigo: “E se eu resolvo escrever uma crônica, chamando Marcos Antônio de Marqueto, Marquito, quer dizer que no sertão mineiro não existe esse cognome afetivo, tinha de ser Marquinhos, Marcolino. Se Marcos Antônio escrevesse uma crônica sobre mim, chamando-me Neca Ferreira, Neca não existe no sertão mineiro! Por isso, chamaria o amigo de imbecil, idiota, “escrivinhador de meia tigela”.
Manuelzão foi o maior amigo de Guimarães Rosa, este não se cansou de prestar-lhe homenagens em sua obra. Imortalizou-o com categoria e sapiência. 
Lembrou-me suas emoções fortes, quando considerei você do mesmo nível de Rosa, sua obra anda ombro a ombro com a dele.
Você, meu querido, que é cronista de “mão cheia”, pode escrever uma crônica daquelas, por exemplo, outra que aprecio muito, Pisando na tábua da beirada, com um personagem, escritor, que chega ao barranco do Rio das Velhas, achando-se o maior escritor do sertão, descascando os pepinos de Rosa, de todos os escritores do sertão. Numa de suas empolações, encontra um fazendeiro de estopim curto, amante da obra roseana, e rasga todos os verbos na cara do cretino, e ele não tendo qualquer argumento para discutir resolve dizer que os caipiras de tão jegues não sabem nem o que é sertanejo. A guerra está comprada. As reações do fazendeiro só você para criar, não tenho qualquer sugestão, não sou cronista, não posso dizer que a minha obra reflita o sertão mineiro, digo que sou mais filósofo do que propriamente escritor. Imagino que até o capeta pediria desculpas, perdão por tantos disparates, despautérios. Não sei se você conhece o texto de Machado de Assis, quando um ladrão resolve roubar galinhas no seu quintal, tendo sido apanhado com a boca na botija, o discurso do personagem não lhe dera alternativa: “Posso ou não levar a galinha?”. A galinha do escritor presunçoso seria: “posso arregaçar as barras da calça antes de picar a mula pelo sertão a fora?”
Marcos, seria uma crônica supimpa – como diriam os paulistanos -, você com sua veia crítica, irônica, sarcástica, mostraria aos leitores o que é isto conhecer a alma sertaneja e aqueles que se julgam capazes de mergulhar no espírito da intuição simples, da humildade, da visão absoluta do que é isto ser homem caipira, digno de ser imitado em todos os níveis, digno de saber o que é isto espiritualidade. Não estou passando a responsabilidade para você de destilar os ácidos críticos no imbecil e otário, já o faço nestas linhas, quero apenas ler obra sertaneja pura, de quem conhece o sertão, de quem vive e o ama. Não cito o nome do livro, não declino o nome do autor. Aí sim estaria realizando a sua vontade, escrever crítica negativa. Conto-lhe do besteirol que está chegando à nossa querida Curvelo, quero que você ria um pouco desta minha crônica, já conhece a minha veia sarcástica, o nível de meus ácidos, diria que pior que o sulfúrico.
Crie esta crônica, meu querido. Mesmo que eu esteja lhe sugerindo, quase que encomendando um texto, sei que você é um “escrivinhador divino”, o autor jamais entenderá por se tratar de um imbecil, pensará até que a personagem é fruto de sua imaginação fértil, capaz até de elogiá-lo como escritor em presença de seus álibis e cúmplices; claro, sabendo que a carapuça só pode servir na cabeça dele.
Até acabei de imaginar um título para seu texto: “A razão dos jegues é o rabo sem cabelos”
Meu amigo, estou sentindo muitas saudades de você, de ler seus textos no tablóide. Mas sempre leio os já publicados, republicando-os de novo em minhas páginas, para que os leitores não percam o contato com obra que só merece elogios, reconhecimentos, consideração, que engrandece a nossa literatura curvelana, sendo o único que tem veia para escrever obras sertanejas de cunho e porte.
Se você decidir escrever sobre esta missiva, ou seja, sobre o pernóstico escritor, terei mais que alegria e prazer em publicar, sei que você irá, enfim, não para o espanto nosso, de seus leitores, já o sabemos, mostrar sua sensibilidade divina: o escritor Diadorim dos sentimentos de quem ama “ter coragem” de ufanizar o sertanejo, sua cultura, suas crenças, lendas, mitos, ama a verdade fictícia do matuto”.
Mande-me sua crítica. Esta será a epígrafe de uma resposta que lhe darei: “O SERTÃO DOS SONHOS HUMANOS”.
Um grande abraço. Saudações Roseanas.

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