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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CORCOVADO DE ESPERANÇAS - IX PARTE – ALFABETO DE SILÊNCIOS OBLÍQUOS - MANOEL FERREIRA



Acho que tinha conhecimentos, sabia como viver melhor porque admitia ser possível viver melhor. Fiz de minhas mãos um caminho-da-roça para ir mais longe.
Não sei porque estou falando isso. É que foram tantas as vezes que fiz silêncio, ao escutar as águas seguindo o seu itinerário sem pressa, sem margens, ao escutar o grito do mundo, e hoje calou o mundo e eu posso falar. Às vezes, tudo o que preciso é que alguém me empreste o coração e deixe    minhas  palavras tão guardadas irem como uma cabeça se abrigar entre o peito e o ombro.
Venho, mais uma vez, à beira deste rio de águas límpidas. Trago, como uma escrita a ser traduzida, sinais de tudo que a vida escreveu na minha face. Linguagem que poucos entendem, compreendem. Falas silenciosas, vozes mudas. Só quem é muito íntimo chega, aborda e compreende.
Vós detestais tudo e todos, e é em momentos assim, imóvel diante do espelho que compreendo a extensão da frieza que vos habitais – qualquer coisa funda e sem consolo, opressiva, estagnada, tal como se no vosso íntimo tudo houvesse se crestado, e, com a força dessa queima, houvesse perdido qualquer possibilidade que existisse em vossa alma, de ternura e de perdão. Não sei dizer porque sois assim, talvez alguém o soubesse dizer em meu lugar. O que sobra, afinal, é o ser no fundo do espelho: move-se de um lado para outro, pisca, sorri, mas está morto há muito, e o que está morto não ressuscita mais nem do logo e nem da infecundidade.  
Contudo, como sonhei que ouviria a voz de toda a humanidade, conversaríamos, contaríamos as nossas alegrias e tristezas, o que trazemos em nós, o que nos habita e temos tanta sede e fome de alcançar, enfim sermos quem somos. Agora, o sonho é uma missiva que transcenda o eminentemente vivido e mostre os caminhos que seguimos, vós e eu, no mundo, na vida.
Estabelecidas assim as nossas medidas e limites, excelente se os transcendermos, creio que a nossa conversa será muitíssimo interessante, sou o co-autor dessa missiva, a minha árdua e dura tarefa será de registrar na folha branca de papel, muito mais difícil e complexo, pois a aprendizagem será imensa; contudo, não, não me esqueço das lições da des-aprendizagem de tudo o que me habita na alma, o alfabeto de silêncios oblíquos são as experiências e as vivências através de um hábito que trago em mim desde os cinco anos e dois meses, conversar com a humanidade.
Peço-vos que abris um parêntese para um pormenor sem importância, podereis deixar-lhe de lado, saltando-o, lendo o próximo. Contudo, desde o início dessa missiva, quando começastes a lê-la, estivestes mais curiosa por saberdes o que estou a dizer-vos, o que me afligiu tanto para servir-me da pena para deixar impresso, as palavras que trocamos nestes todos anos foram levadas pelo vento. Mesmo sabendo ser a minha profissão psicólogo, estivestes um segundo qualquer preocupada em estabelecer os limites psíquicos, para que pudésseis entender. Não. Até esse segundo, desde que começastes a lê-la, o interesse fora saber de minhas idéias; nem por um átimo de segundo, pensastes que seria preciso consultasse um psiquiatra, pedir-lhe orientação sobre isso e aquilo, poderia estar ficando doido. Conversar vós entendeis, mas alguém escrever-vos missiva é inusitado, excêntrico.
Dura tarefa, pois se é mister considerar as entrelinhas e além-linhas de nossos diálogos, a fim de se poder ter uma imagem,  interpretação sobre todas as coisas que conversamos, quem sabe até mesmo necessitando conhecer as sombras que antecedem as luzes em nossa história, o que é uma reflexão sobremodo profunda. Isso posso afiançar-vos, mantendo, obviamente, o respeito e a consideração  que por vós nutro.  
Muitos há que se sentem bem, amados, queridos, se num momento assim têm com quem conversar, expor os dramas e conflitos que se encontram latentes e isso os está  angustiando, deprimindo, ouvem, aconselham, sabem o que lhes é melhor, e num breve espaço de tempo se sentem restabelecidos para a caminhada.
Tenho a minha esposa, posso dizer o que me perpassa o íntimo, saberá compreender-me e entender-me. Não tivemos filhos, escolhemos assim. Não é porque não queríamos legar ao mundo a miséria... Queríamos viver nossas vidas sem filhos. Ela ainda pode tê-los. Está com os seus trinta e oito anos. Somos casados há treze.
Desejo dirigir-vos a palavra. Preciso que todos me ouçam, preciso que todos saibam quem sou, e num diálogo no silêncio posso revelar as minhas entranhas que tudo será guardado no mais perfeito sigilo, como eu próprio o sei. A humanidade é compassiva no silêncio, e quem a ela se dirige, pode ter a certeza de que as palavras não mais serão esquecidas, e a compaixão estará sempre presente.
Quem sabe, se alguns homens a lerem, não dirão simplesmente que na cabeça                                deles não existe compaixão, existem sim dó e pena, para se chegar a pedir-vos que iluminai os meus passos e traços, perdoando-vos por vossas condutas e posturas de não, arbitrárias e gratuitas, sou digno de dó e pena, um louco, varrido, esquizóide, neurastênico... Isso é um absurdo, é preciso haver sido esquecido pelos vermes que corroem a carne. Que a humanidade pereça no fogo do inferno – posso garantir-vos que alguns homens dirão isso, se  lerem  essa missiva, mas com o decorrer  dos dias, meses e anos chegarão a admitir  que é necessário aderir-se aos sonhos da humanidade.

Qual  o problema de a humanidade ser compassiva no silêncio, isso porque sabe ouvir, aconchegar  no peito, mostrar seus caminhos e trilhas desde toda a eternidade, e nunca perder a esperança, compassiva porque compreende e entende as dores e sofrimentos, e isto trazemos os homens dentro de nós, isto nos habita a todos, a imagem será revelada, pois todos já ouviram e sabem o que nos perpassa inteiros. Esse esgar que alguns dentre vós mostram em seus rostos, inclusive o olhar de esguelha, sei-o, tornou-se algo até vulgar de interpretá-lo de tanta asnice,quando alguém, me não recorda o nome, dissera que o mineiro só é solidário no câncer. São as tais frases ditas com o interesse de eternidade, já que nada puderam deixar no mundo que tivesse valor insofismável. Compreendo. Mas o que escrevo, podeis entender perfeitamente, é que no silêncio podemos conversar e nos entender, contribuindo cada um de nós com o crescimento e desenvolvimento de nós mesmos. Trocamos experiências e vivências. Ouço-vos dizer, alguns até murmuram, sussurram, mas ouço as vozes e a fala, podendo assim mostrar-me, identificar-me, contar de meus problemas, prazeres, dores, sofrimentos, alegrias, contentamentos em buscada     “felicidade”,  que é a nossa    vocação. E tantos caminhos sinuosos, não é verdade?

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