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terça-feira, 24 de novembro de 2015

CHAMAS DA PALAVRA E VERSOS - Manoel Ferreira Neto



Principalmente artista e pensador – não acrescentaria antes, não acrescento agora qualquer outra coisa, artista e pensador já são gravíssimos -, possuo, trago no íntimo dentro, aquela divina ojeriza, sublime asco, pleno nojo, à vulgaridade, idiotice, ao lugar-comum e à declamação.
Se entrasse na vida política, que apenas atravessei de fio a pavio com a pena para homenagear um grande amigo, por quem nutro sentimentos nobres e verdadeiros, pela sua inteligência, esforço, luta, dedicação à família, esposa e filhos, pela sua obra em prol do desenvolvimento e progresso de nossa cidade – embora para algumas pessoas, não vale nem a pena declinar os nomes, já o disse, só avesso às vulgaridades e aos vulgares, estava jogando a verde para colher as maduras; puxava o saco do político para obter resultados além dos limites e contas; para nós dois, o seguinte é verdadeiro: não precisamos lançar mão de subterfúgios e tramóias, somos independentes no que fazemos, respondemos por nós mesmos -, levaria para ela, a vida política, qualidades de primeira ordem, princípios de dignidade e honra, posturas e condutas sinceras e sérias, em suma, a consciência de quem conhece os valores e virtudes, sabe o que são, não contando o humour, tão ad-verso da chalaça e em mim tão autêntico e original, salvas todas as opiniões e pontos de vista. Diriam todos na minha gestão, como vereador ou prefeito, que tirei cópia Xerox das características do amigo político a quem homenageei, sendo louvável, pois que dei continuidade á obra e pro-jetos dele, juntos construímos outra realidade no município. Mas a erudição e a crônica histórica, não menos que a arte e o pensamento filosófico, são agora o meu maior encanto. Sei bem todas as coisas que sei, não sei mesmo as coisas que não sei, não tenho vergonha de procurar saber, sou mais que radical com isto, dogmático, eis a minha verdade última, e não arredo pé mesmo que o diabo faça milagres.
A faculdade de ver claro e largo, de intuir e perceber coisas as mais longínquas possíveis, a arte de dizer original e autenticamente a sensação pessoal, a idéia íntima, o pensamento individual possuo-os como os principais que hajam andado as terras ou rasgados os mares deste mundo, hajam per-corrido as florestas ou esgarçado os abismos do uni-verso. Invenção de estilo, criação e re-criação de linguagem, observação aguda, erudição discreta e vasta, graça, poesia e imaginação produzem as páginas vivas e saborosas que delineio, burilo com amor, carinho, dedicação, estados de espírito e alma imprescindíveis a quem toma a pena para registrar a vida e os desejos de liberdade, autenticidade, originalidade, vontade da verdade. Deixemos os encômios de lado, mas para enfatizar o que venho dizendo, alguém dissera que faço muito bem às pessoas com a minha arte e o meu pensamento. Não diria tanto, diria unicamente que os leitores perceberam com rigor e eficiência a chama da palavra e versos que me habitam.
Ontem, estive observando a mamãe consertando algumas roupas minhas – viera comigo passar alguns dias em minha residência com a minha esposa, em Diamantina, está velhinha, noventa e dois anos -, pregando botões, fazendo barra nas calças, apertando shorts, fazendo nesgas, emagreci bastante nos últimos tempos, creio que devido às responsabilidades tantas que tomei em mãos no sentido de contribuir com a vida íntima e espiritual dos homens e da humanidade.
A linha não res-pondia nada, se o fizesse, seria mais que inusitado, seria excêntrico e inacreditável; ia andando à mercê dos movimentos da mão de minha mãe que são lentas, comedidas, frutos de oitenta anos de experiência com a agulha e linha, não só no âmbito familiar, mas de seus quase quarenta anos na fábrica têxtil de nossa cidade. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz – fora com ela que aprendi a saber bem as coisas que sei, a não saber mesmo as coisas que não sei -, e não está para ouvir palpites que não dão resultados reais e eficientes,  para ouvir palavras loucas sobre a arte da costura. Por mim, na arte da palavra e dos versos, só ouço críticas que contribuem para crescimento e amadurecimento, ajudem-me a alcançar os projetos e objetivos, realizem-me os desejos e vontades do sublime e do pleno; caso contrário, saio à francesa.
A mamãe, vendo que a agulha não lhe dava res-posta, calou-se, e foi andando no ritmo de sua mãozinha lenta, aperfeiçoada pelo tempo de trabalho, pelos sentimentos que em si trazem dentro, ver o filho vestindo bem, mostrando seus valores reais. Às vezes, minha esposa costuma dizer que sou homem mui vaidoso no que tange a vestir-me, gosto de vestir-me bem, res-pondendo-lhe eu que nasci no meio de costureiras, quem não permitiam que me trajasse mal, mas não fiz disso apenas aparência, por fora lindo, maravilhoso, por dentro, um verdadeiro lixo de odores parisienses do século XVIII. Também os amigos dizem o mesmo, a res-posta não poderia ser outra, faço questão da originalidade e verdade minhas.
E era tudo silêncio no quarto em que estava, isto é, desde que chegara à nossa residência está dormindo no quarto de minha esposa e meu, em nossa cama de casal, estamos nós dormindo na sala de televisão, no terceiro andar, num sofá-cama – os gramáticos imbecis e idiotas tiraram o hífen, coloco-os para de-monstrar afeto e amor, subjetividade e espiritualidade; mesmo que não fosse por isso, colocar-lhes-ia para contrariar os imbecis e idiotas. Recebi cartinha de amiga, perguntando-me se já havia conhecido o novo acordo ortográfico, disse-lhe pelo celular que não, gramático quando não está masturbando, está inventando idiotices para preencher o vazio, fugas, justificativas das regras e normas, esquecendo que nas artes somos livres para criação e recriação. Quem iria criticar Machado de Assis por haver escrito “eu explodo”, quando o verbo “explodir” é defectivo, não admite a primeira pessoa do presente do indicativo. Não via outra coisa senão o abrir do buraco pela agulha, a linha passando, sem deixar nenhum vazio, ausência, sem deixar angu de caroço aqui e ali, as roupas sendo consertadas.
Ah, leitor, mãe Amélia é a única sobrevivente das cinco mães que tive, vovó Alzira, Dinha, Laurentina, Iá. Além delas, a mãe biológica, que, para mim, nada significa em termos emocionais, a mãe espiritual, Maria Santíssima, que Dinha me ensinou a amar e sentir-me protegido, iluminado, feliz e realizado.
Caindo o sol, Amélia dobrou a calça que estava fazendo barra, continuaria no Sábado de Aleluia, tem sérios problemas de vista, já se submeteu a cirurgia, as lentes são grossas, fundo de garrafa; nada faz na Sexta-feira da Paixão, desde tempos imemoriais, isto é, antes de eu haver nascido.
Deixemos os trocados e equívocos, os chistes e enganos, que são de mau gosto – disse-o antes que em mim trago dentro ojeriza as vulgaridades -, mácula de estilo, linguagem, forma, que exagerei sobremodo desde o instante em que pensei escrever este texto, com intenções tão inúmeras que a razão, sensibilidade não pudessem esclarecer ou canalizar, exagerei até a puerilidade, misturar realidade com as faculdades da criação e re-criação, cedendo a mim mesmo e à crítica dos leitores, ao riso dos presentes ao espetáculo circense. Outro defeito que os leitores percebem, intuem, vêem, visualizam, contemplam, é o tom guindado e os arrebiques do sentimento, que se notam em muitos escritos, quando aderem vida íntima e arte.
Mas para isto conto-lhes, não sei se lenda, mito, verdade, invencionice, criatividade, algo sobre a agulha e o alfinete que um grande e velho amigo, desde a minha tenra infância me dissera. Com relação a isto de a agulha não res-ponder nada a isto de abrir o buraco, passar a linha, o alfinete teve a seguinte consideração. Um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou á pobre agulha: - Anda, aprende, tola. Cansaste em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Só que o leitor não daria a mesma res-posta que um professor de nostalgias, que me disse, abanando a cabeça: - Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária.
O fenômeno da sim-patia da arte de costurar, da ojeriza às vulgaridades, do asco à política chinfrim, amor e carinho aos altos desejos das letras e das artes – só o amigo político a quem homenageei no passado, não entrou nessa de chinfrinidade na política, realizou-a gosto e contento de todos, da comunidade inteira, com exceção dos invejosos que só faziam criticar, mas com nada contribuíam para a consciência da política, das suas responsabilidades -, devia ser sempre recíproco, de maneira que o pensamento não pudesse olhar com frieza para a idéia, quando o espírito levantasse os olhos de interrogação para a vida.   


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