Total de visualizações de página

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

CAMINHOS PARA A RAZÃO IN-VERSA - Manoel Ferreira Neto.


Muitas vezes a verdade dá um friozinho na espinha; talvez por essa razão ninguém gosta de ouvi-la – gosto, amo dizer a mim as minhas próprias, sinto prazer com esse friozinho agradável e saudável. Sempre me encontro com pessoas que morrem de medo da psicologia, algumas têm surto neurótico só de ouvir falar nela, dão verdadeiros pitis. Quem se submete a um tratamento terapêutico, analítico, segundo elas, é louco, desvairado, os psicólogos são em absoluto neuróticos. Pensam que se iniciassem a con-templar seus sonhos ou des-vendar, des-envelar suas infâncias, aconteceria de a bomba do tempo explodir, aí nada mais sobraria delas, a pessoa sucumbiria por inteiro. Estariam perdidas, confusas, não seria seres humanos, seriam neuroses, esquizofrenias, psicoses. Nos anos 80, alguém me dissera ser eu louco – satisfeito, completei sua fala: “sou louco, doido, varrido, esquizofrênico, psicopata, esquizóide”. Conheço homens e mulheres que começaram a assistir a filmes inspirados nas obras de Nelson  Rodrigues, e não conseguiram chegar ao final, pois a obra dele toda se fundamenta na psicologia freudiana, as mulheres vivem profundamente o complexo de Édipo, são prostitutas incubadas. Algumas começaram a ler Dostoiévski e não conseguiram terminar, pois nele a psicopatologia está por baixo, a ontologia por cima.
Tomo esse medo a sério, e, com sinceridade, compreendo que as pessoas necessitam de proteção, o medo é saudável, evita problemas e dissabores, protege de dores e sofrimentos vários.
Seria exigir em demasia das pessoas ficarem olhando sozinhas para a profundeza da alma, conhecendo de perto os conflitos, traumas, dores, sofrimentos. Todas precisam alguém que se incline para seus pontos vulneráveis e as toque em amor semelhante ao de Jesus Cristo no lava-pés. Tudo o que precisamos é amor, solidariedade, compaixão. Tudo o que necessitamos são palavras de carinho, ternura, amizade. Nós, os curvelanos, não precisamos ter medo de quem somos, pois que a fé em Deus e em São Geraldo Magela nos protege – não é verdade?! As pessoas precisam da certeza de que não serão acusadas de seus erros e enganos, censuradas por suas atitudes, gestos, ações arbitrárias e espúrias, condenadas por seus pecados e culpas de que nada existe nelas que as exclui do amor de Deus, que nada há nelas que não possa ser trans-formado pelo Espírito de Deus.
Somente se tiverem fé verdadeira, se acreditarem bem profundo na mensagem de Jesus Cristo de que Ele veio para sua escuridão como luz elas podem enfrentar a própria escuridão – a psicologia são os “caminhos de luz nas trevas”, os raios que trans-formam a inconsciência em consciência de nossos sonhos de liberdade.
Enquanto as pessoas morrem de medo da psicologia – a propósito, só tenho um medo na minha vida, da escuridão; não teria dons e talentos artísticos, não seria escritor, se não tivesse esse medo -, recusam conhecer a profundidade de suas almas, fogem de seus traumas e conflitos, dores e sofrimentos, precisam excogitar sempre novas estratégias, subterfúgios, desculpas e justificativas, a fim de reprimirem a própria verdade. Nada mais divino que a verdade nossa,a ter nas mãos feitas concha nossas dores e problemas de toda ordem, apesar de todos os sentimentos de não que nos perpassam a alma. Embora os sentimentos de não, todos sabemos que é impossível fugir de  nossa verdade. Pois, no mais tardar, à noite, no silêncio da madrugada – comecei a escrever este editorial à tarde, agora uma hora da manhã, encontro-me no escritório, digitando para ser publicado -, no alvorecer do novo dia – quando minha vida, sei-o bem, re-ve-lar-se-á outra, sentirei a felicidade bem presente -, na visão da pobreza e da miséria, n a doença ou morte de um ente amado e querido, a verdade as alcançará.  Serão torturadas por pesadelos. Ou o corpo lhes exporá impiedosamente a verdade. Sabem que dificilmente podem esconder sua verdade perante os outros, perante outras pessoas. O inferno são os outros, conforme meu mestre-filósofo Jean-Paul Sartre.
Quem, dentre todos nós, reiteradas vezes, não ouvíramos tais palavras: “Se os outros soubessem quem eu sou, os problemas e conflitos que vivo, os sentimentos de não que me habitam, que fantasias passam por minha cabeça, as taras sexuais que me habitam, ódios, raivas, ressentimentos perpassam minha alma, que pessoa perversa sou, eles me desprezariam, seria condenado á solidão eterna”. Percebo, sensível e entristecido, que tais pessoas têm medo que os outros poderiam perceber em suas palavras, atitudes e gestos, comportamentos e promessas, insegurança, o que passa nelas – e freqüentemente ouvimos, como justificativa até, que o coração dos homens é terra por onde ninguém anda. Muitos se sentem inexoravelmente à mercê dos outros. Acreditam que os outros enxergariam o abismo de suas almas. Todo o esforço, empreendimento, luta que fazem para construir sua fachada seria em vão, numa linguagem vulgar, e os curvelanos sempre usamos, por sermos de uma região  agropecuária “conversa-pra-boi-dormir”. Sentem-se como uma casa de vidro, um palácio de cristal, nas palavras de meu querido e amado mestre-escritor russo, Dostoiévski, para dentro dos quais se enxerga de fora, nos quais nada se pode ocultar.
Quem encarou sua verdade – encarei-a desde que publiquei a novela Ópera do silêncio, que é uma crítica ferrenha ao racionalismo – sabe que não precisa esconder a si mesmo, e que nada tem a esconder em si. Pois tudo pode ser – “se o Ser se faz continuamente, a continuidade é também o Ser”, conforme meu compadre e amigo Paulo César Carneiro Lopes -, tudo está permeado pela luz de Deus. Deus habita em todas as profundezas do coração humano. E, porque Deus, o Amor, habita no homem, Ele pode entrar nos aposentos de casa de nossa vida e convidar outros a entrarem. Isso dá um sentimento de liberdade e de sossego.
Para o Evangelho segundo João, liberdade é essencialmente amor, Jesus diz a respeito desse amor que o liberta de todo agarrar-se a si mesmo: “Não há maior amor do que quando alguém entrega sua vida por seus irmãos” (Jo, 15,13), aliás aqui está o em que me fundamentei para fundar esse tablóide Razão In-versa, que é para os leitores, para os companheiros de estrada, para a cultura curvelana. Razão In-versa não pensa no que resulta de suas palavras para si mesmo – isso não é ser livre, isso não é ser amizade, ser amigo dos leitores – Ângelo Antônio sempre disse em todos esses vinte e cinco anos de nossas relações: “nada melhor que dar com a mão direita sem que a esquerda o saiba”. Amizade a amor precisam estar livres de compulsão, de agarrar-se à própria vida. Essa liberdade, porém, não é um mérito que posso apresentar a Deus e aos outros, aos meus leitores, amigos e íntimos, e, sim, manifestação de verdadeiro amor. Somente no amor a Deus e aos homens as páginas de Razão In-versa tornam-se verdadeiramente livres, caminhos para a espiritualidade, para o encontro verdadeiro com quem somos e representamos no mundo. 















[1] 2º edição, E agora? Ed. Julho de 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário